Mudanças climáticas e saúde: Expo Osaka 2025 e EFA 2030 soam o alarme

Por Cláudio Cordovil
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A semana de Saúde e Bem-Estar da Expo Osaka 2025, que contou com a curadoria científica da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), fez um alerta contundente neste sábado (29/6, horário de Brasília) durante evento intitulado Mudança climática e saúde: o maior desafio de nosso tempo: já são palpáveis, concretos e mensuráveis os efeitos da crise climática sobre a saúde humana. Especialistas da Lancet Countdown, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Nacional de Estudos Ambientais, do Japão (NIES), revelaram no evento moderado por Paulo Gadelha, coordenador da EFA 2030, que estes são cada dia mais letais e encontram-se em franca expansão. Os dados inéditos apresentados na ocasião demonstram o custo humano da inação e de nossa indiferença às questões climáticas.
 
Foto: Marcello Martins, Apex-Brasil

O custo da indiferença: os dados do Lancet Countdown

Marina Romanello, diretora executiva do Lancet Countdown, abriu a série de exposições orais revelando o impacto das mudanças climáticas na saúde humana. Os dados, coletados por esta colaboração internacional que acompanha o progresso da saúde e das mudanças climáticas, revelam a situação alarmante do planeta em 2023. Dados daquele ano constantes em seu relatório apontaram que, dos 15 indicadores de riscos climáticos à saúde monitorados, 10 atingiram recordes históricos negativos. Um deles realmente impressiona: o número de mortes relacionadas ao calor entre maiores de 65 anos de idade foi 167% maior do que a média de toda a década de 1990. Estes números representam mais que o dobro do esperado, mesmo sem considerar aquecimento adicional.

Foto: Marcello Martins, Apex-Brasil

Em termos de horas de trabalho, nada menos do que 512 bilhões delas foram perdidas devido à exposição ao calor, o que representou um prejuízo econômico global estimado em 835 bilhões de dólares. Sessenta e um por cento de todas as terras foram afetadas por secas e chuvas intensas em escala global. Dengue e vibrioses, doenças transmitidas por mosquitos e bactérias, tiveram aumento expressivo com a elevação da umidade e da temperatura. 

Mais um recorde nefasto: calcula-se que 692 mil pessoas tenham sido infectadas por vibrioses em 2023. Vibrioses são doenças causadas por bactérias do gênero Vibrio, encontradas principalmente em ambientes marinhos e estuários’. As vibrioses podem causar infecções gastrointestinais, infecções de feridas e, em casos mais graves, sepse (infecção generalizada), especialmente em indivíduos com doenças preexistentes

Projeções feitas pelo Lancet Countodown revelam que, a prosseguir esta tendência, até meados do século poderemos enfrentar um aumento de 370% nas mortes anuais por calor e de 525 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave.

“A crise é política, não técnica”

Mas nem tudo são más notícias. Em sua apresentação, Romanello também destacou que, apesar da gravidade, os avanços na energia limpa e na geração de empregos sustentáveis revelam saídas possíveis. O quantitativo de pessoas empregadas direta ou indiretamente na indústria de energias renováveis aumentou 35% entre 2016 e 2022, alcançando 13,7 milhões de trabalhadores. Por outro lado, os subsídios aos combustíveis fósseis somaram um recorde de US$ 1,4 trilhão em 2022, superando todo o orçamento destinado à saúde em muitos países. Para Romanello, este montante de recursos seria mais do que suficiente para uma transição energética justa para fontes renováveis.

A diretora do Lancet Countdown concluiu sua exposição afirmando que a transformação necessária para conter os impactos climáticos na saúde não depende mais de descobertas científicas ou recursos financeiros. “É uma escolha política”, sentenciou.

OMS: sem segurança sanitária local, não há segurança global

Ryoma Kayano, do Centro de Desenvolvimento da Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), destacou a necessidade urgente de integrar políticas de saúde a estratégias de gestão de risco de desastres. Segundo ele, o aumento da frequência de desastres naturais – secas, ciclones, inundações e ondas de calor – já compromete estruturas de saúde pública em diversos países.

Foto: Marcello Martins, Apex-Brasil

O oficial técnico da OMS também abordou os efeitos da pandemia de COVID-19 como um alerta sobre vulnerabilidades globais e sublinhou que eventos climáticos extremos aumentam desigualdades preexistentes. Ele defendeu a institucionalização da avaliação de riscos nos sistemas de governança local, combinando setores como urbanismo, educação, finanças e saúde, com participação comunitária e transparência.

Entre as propostas da OMS elencadas por Kayano, destacaram-se a criação de plataformas abertas de dados de risco, modelos multiameaça (climáticos, sísmicos, biológicos e tecnológicos), e financiamento sustentável via bônus de catástrofe ou fundos de resiliência. Preparar-se para desastres não é uma opção, é o que podemos depreender de sua exposição, mas sim condição indispensável para a manutenção do desenvolvimento.

Japão enfrenta desafio do calor letal

Kazutaka Oka, do Centro de Adaptação às Mudanças Climáticas do NIES, revelou um dramático problema que afeta seu país e de que tínhamos pouco conhecimento: a insolação. Também conhecida como “golpe de calor” (heatstroke), a insolação é uma condição grave causada por exposição excessiva ao sol e ao calor, levando a um rápido aumento da temperatura corporal (acima de 40°C). O número de pacientes com insolação transportados por ambulâncias em seu país atingiu um recorde de 97.578 pessoas em 2024, sendo em sua maioria idosos. Cerca de 40% dos casos ocorreram no interior de residências. Segundo os dados apresentados, o calor já causa cerca de 1.500 mortes anuais no país — número que disparou para mais de 2 mil em 2024, ano em que o Japão experimentou um calor particularmente excessivo.

Foto: Marcello Martins, Apex-Brasil

As projeções apresentadas por Oka indicam que, mesmo com medidas de adaptação, haverá crescimento contínuo nos casos de insolação. Em cenários mais severos, a taxa de uso das ambulâncias para esse tipo de ocorrência poderá ultrapassar 700% em horários de pico, segundo as projeções, comprometendo desta forma totalmente a capacidade de resposta dos sistemas de emergência. O pesquisador também apresentou os custos da crise climática: em cenários extremos, um único evento de calor pode gerar despesas superiores às anuais com transporte de pacientes.

Visando mitigar o problema, o Japão criou alertas especiais de calor com base no indicador de Temperatura de Globo de Bulbo Úmido (WBGT). Trata-se de uma medida do estresse térmico que leva em conta temperatura do ar, umidade, radiação solar e vento. É amplamente utilizada para avaliar o risco de hipertermia e outras condições relacionadas ao calor, especialmente em ambientes de trabalho e durante atividades físicas. Além disso, instalou abrigos refrigerados públicos e firmou parcerias com governos locais e empresas para monitoramento e comunicação de riscos.

Brasil apresenta plano estratégico para COP30

Fechando a sessão, Guilherme Franco Netto, coordenador de Saúde e Ambiente da Fiocruz e secretário executivo da EFA 2030, apresentou a perspectiva brasileira sobre a intersecção entre clima e saúde. Ele destacou que o Brasil ocupa a quarta posição global em emissões per capita e observa um crescimento importante na frequência de ondas de calor.

Expo Osaka 2025
Foto: Marcello Martins, Apex-Brasil

Franco Netto ressaltou a proposta brasileira de um Plano Clima, principal instrumento da Política Nacional de Mudança Climática. A Fiocruz aparece como protagonista técnica desse processo, por meio da iniciativa AdaptaSUS e de centros como o futuro Centro de Clima e Saúde, em Rondônia.

Como objetivos estratégicos da instituição destacados por Franco Netto estão o desenvolvimento de plataformas de dados integrados sobre clima e saúde, a produção de evidências para decisões políticas, a criação do Plano de Clima e Saúde da Fiocruz e a valorização do SUS como modelo de resiliência.

As apresentações na Expo Osaka 2025 deixaram uma mensagem clara: os riscos das mudanças climáticas para a saúde já são reais, mensuráveis e, em muitos casos, catastróficos. Mas também apontaram que há conhecimento, tecnologia e evidências suficientes para mudar o rumo. O que falta, como disseram diversos palestrantes, é vontade política.

Expo Osaka 2025
Foto: Marcello Martins, Apex-Brasil

Os eventos da Semana de Saúde e Bem-estar da Expo Osaka 2025 tiveram curadoria científica da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, na pessoa de Paulo Gadelha, seu coordenador, a convite do Ministério das Relações Exteriores e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).