Por Juliana Villas (OTSS/Fiocruz) Publicado em 10/09/2025
O 1º Encontro Nacional da Rede de Defensoras e Defensores dos Territórios Tradicionais reuniu lideranças tradicionais de todo o país na Ilha de Maré (Salvador), entre 30 de agosto e 5 de setembro. Criada em 2022 a partir de uma articulação do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por iniciativa de sua Ouvidoria-Geral, a Rede prepara agora uma expansão nacional, com novas parcerias – com defensorias públicas e ouvidorias –, num processo contínuo de aprendizagem, ensino e troca de saberes com lideranças de povos e comunidades tradicionais (PCTs) da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Pará, Paraná e Santa Catarina, além de São Paulo e Rio de Janeiro, estados onde já atua em 7 municípios e 32 comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras.
Mais de 80 lideranças tradicionais passaram por formação para melhorar o acesso à Justiça em temas como saúde coletiva, enfrentamento ao racismo ambiental, protocolos de consulta e regularização fundiária (Foto: OTSS/Fiocruz)
“Nós somos uma rede. E nada se constrói da noite para o dia. O OTTS tem 16 anos, o FCT vai fazer 20 em 2027 e a Fiocruz tem 125. Então, não estamos apenas encerrando ou festejando um processo que teve resultados. Estamos comemorando a abertura de outra possibilidade, de uma articulação grande e nacional, de um futuro maior que a gente já consegue antever”, pontua o coordenador-geral do OTSS e pesquisador da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Edmundo Gallo.
A Rede impulsiona a formação continuada, permitindo que demandas urgentes e denúncias de lideranças de PCTs sejam encaminhadas mais rapidamente. “A Rede nasceu da urgência em avançar na educação para acesso à justiça e na redução de violação de direitos dos povos e comunidades tradicionais. É uma resposta inovadora da Ouvidoria-Geral e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que foi abraçada pelo FCT e pelo OTSS, e logo se fortaleceu com a entrada da Ouvidoria e defensoria públicas do Estado de São Paulo e da União. Hoje as lideranças têm um canal direto com a Ouvidoria do Rio de Janeiro, o que significa resposta rápida a violações de direitos”, explica o advogado do FCT e do OTSS, André Della Nina Lopes.
O modelo inovador foi reconhecido nacionalmente, ao receber o selo Prática Antirracista do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas. “Após a premiação da iniciativa, identificamos a Rede como uma ferramenta para impulsionar a formação de ouvidorias-gerais e suas equipes, bem como de defensoras e defensores públicos em temas como justiça climática, patrimônio biocultural, sociobiodiversidade e questões relacionadas aos povos e comunidades tradicionais, como a gestão costeira e marinha”, comenta a presidente do Conselho Nacional de Ouvidorias Públicas e ouvidora de Santa Catarina, Maria Aparecida Caovilla.
A Rede recebeu o prêmio Defensorar na categoria Defesa do Território, entregue pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ) em 2024. “Os resultados demonstram que a aproximação entre as comunidades e o sistema de justiça pode fortalecer a defesa dos territórios tradicionais e influenciar as políticas públicas. A Rede inova impulsionando o diálogo horizontal de saberes entre o conhecimento jurídico e o tradicional, contribuindo para a formação de defensoras e defensores públicos, bem como de ouvidores e lideranças”, celebra a coordenadora político-pedagógica da Rede, Júlia Borges.
Do Quilombo da Fazenda, em Ubatuba (SP), Laura Braga ressalta a dimensão prática da experiência: “Foi por meio da Defensoria que conseguimos o reconhecimento e o título da nossa terra. A Rede nos dá respaldo e legitimidade”, afirma. O coordenador-geral do OTSS/Fiocruz e do FCT, Vagner do Nascimento, destaca o impacto político: “A formação em parceria com as defensorias e ouvidorias da União, do Rio e de São Paulo tem tido uma repercussão muito positiva nas comunidades. Isso mantém viva uma das principais bandeiras do FCT: a defesa dos territórios tradicionais”, garante.
De 2022 a 2024 a Rede formou lideranças tradicionais, certificou com crachás de “parceiros das defensorias”, promoveu 320 horas de atividades formativas, consolidou canais diretos de comunicação com ouvidorias e defensorias e obteve o reconhecimento institucional que permite a expansão para outros estados. Mais de 80 lideranças tradicionais passaram por formação para melhorar o acesso à Justiça em temas como saúde coletiva, enfrentamento ao racismo ambiental, protocolos de consulta e regularização fundiária. Todos os detalhes da trajetória da Rede de Defensoras e Defensores estão organizados no relatório Defensoras e defensores dos territórios tradicionais – Impactos e resultados. O documento pode ser acessado na íntegra.