Por Vinicius Ameixa (EFA 2030)Publicado em 16/06/2025 11:51 Embora didaticamente separado e com diferentes nomes, o oceano é um só e sua importância global não pode ser subestimada. Ele é o maior regulador climático do planeta, absorvendo cerca de 90% do excesso de calor gerado pelo efeito estufa e mais de 30% das emissões de dióxido de carbono antropogênico. A vida marinha mantém o equilíbrio do sistema terrestre. Mais de 3 bilhões de pessoas dependem diretamente dos recursos marinhos para sua subsistência, alimentação, trabalho e identidade cultural. Entretanto, a pressão sobre os ecossistemas marinhos é crítica: os resíduos plásticos representam hoje cerca de 80% de toda a poluição em suas águas, com impactos severos sobre organismos, cadeias alimentares, saúde humana e estabilidade ecológica. Nos últimos 10 anos, o mundo produziu mais plástico do que em todo o século XX, impulsionado por cadeias industriais baseadas em combustíveis fósseis. A expectativa é de que a produção dobre até 2040, caso medidas globais não sejam adotadas com urgência. O cenário de emergência marinha foi moldado por uma longa trajetória de construção institucional. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), adotada há mais de quatro décadas, foi o marco jurídico que consagrou, pela primeira vez, o oceano como patrimônio comum da humanidade, definindo regras para a governança internacional do espaço marítimo. Mais recentemente, o Acordo de Paris (2015), simultâneo à Agenda 2030, embora centrado nas emissões atmosféricas, reconhece a função essencial do oceano na regulação climática global, incorporando a acidificação oceânica como um dos efeitos críticos da crise climática. A poluição plástica, por sua vez, se consolida como um elo entre as agendas do clima, da biodiversidade e da saúde: a decomposição do plástico libera gases de efeito estufa, compromete habitats e carrega riscos diretos para populações humanas — sobretudo aquelas costeiras e em situação de vulnerabilidade socioambiental. Em um cenário de degradação crescente dos ecossistemas marinhos, a Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC 2025) reuniu, entre 9 e 13 de junho, mais de 170 países, incluindo chefes de Estado, ministros, cientistas, representantes de povos tradicionais, setor privado e agências da ONU, na cidade francesa de Nice, localizada às margens do mar Mediterrâneo. A escolha de Nice teve forte simbolismo ambiental e político: a cidade está diretamente exposta ao impacto das mudanças climáticas e da poluição marinha, sendo também um centro estratégico da diplomacia climática europeia. Representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) participaram da Conferência. A Fiocruz integrou a delegação brasileira oficial, a convite do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), com uma representação composta pelo coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), Paulo Gadelha, e, como organização credenciada, pela assessora e pesquisadora Carla Campos. Organizada em conjunto pela França e pela Costa Rica, a Conferência teve como objetivo central acelerar compromissos concretos e mobilizar todos os atores globais em defesa da implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14) da Agenda 2030: “Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Sob o lema “Acelerar a ação e mobilizar todos os atores para conservar e usar o oceano de forma sustentável”, a UNOC 2025 assumiu um caráter particularmente urgente diante da intensificação da crise climática e da emergência ecológica global. A Conferência culminou com a adoção do Plano de Ação para o Oceano de Nice, documento conciso e orientado à ação, acordado intergovernamentalmente e acompanhado de uma série de compromissos voluntários por parte dos Estados-membros e demais atores envolvidos. Da esquerda para a direita, Carla Campos, pesquisadora da Fiocruz e Assessora da EFA 2030, e Paulo Gadelha, Coordenador da EFA 2030 – em frente a um dos pavilhões durante o evento. Na abertura da Conferência, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, destacou de forma enfática a urgência da ação:“Temos um plano: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Temos um caminho: a Agenda de Ação de Nice. E temos uma obrigação: fazer a paz com a natureza.”(“We have a plan: the Sustainable Development Goals. We have a pathway: the Nice Action Agenda. And we have an obligation: to make peace with nature.”)Link para o discurso completo na ONU Brasil: potência oceânica e compromisso internacional Com aproximadamente 5,7 milhões de km² de zona econômica exclusiva costeira, o Brasil detém uma das maiores extensões oceânicas do mundo, por isso chamada de “Amazônia Azul” — uma vasta área estratégica para a biodiversidade, soberania nacional, economia e saúde ambiental. Cerca de 60% de sua população vive em áreas litorâneas, o que confere ao país um papel central nas discussões globais sobre a governança do oceano. O país abriga uma biodiversidade marinha incomparável, culturas costeiras tradicionais, uma ampla atividade pesqueira e zonas economicamente promissoras para o desenvolvimento de energias renováveis offshore, como a eólica. Também enfrenta desafios sérios, como erosão costeira, sobrepesca, lixo marinho e poluição urbana. Durante a UNOC 2025, a delegação brasileira — liderada pelo Itamaraty — esteve presente em diversos espaços multilaterais, reiterando o compromisso do país com a sustentabilidade marinha e com a implementação efetiva do ODS 14. A presença da Fiocruz neste contexto representou o reconhecimento da importância da ciência brasileira para os debates conjuntos sobre saúde, clima e desenvolvimento sustentável. No evento, o Brasil reiterou seu compromisso com a conservação marinha, anunciando, entre outras ações, a intenção de ratificar, ainda este ano, o Tratado da Biodiversidade de Áreas Além da Jurisdição Nacional (Tratado de Alto-Mar), aprovado pelas Nações Unidas em 2023, que visa a garantir a gestão compartilhada, equitativa e transparente da biodiversidade marinha além das fronteiras territoriais. Ao mesmo tempo, a postura brasileira diante de alguns pontos sensíveis do debate chamou atenção. Durante a conferência, 95 países assinaram o chamado “Apelo de Nice”, uma declaração voluntária comprometida com a aceleração do tratado internacional para conter a poluição plástica nos oceanos. O Brasil, oitavo maior poluidor de resíduos plásticos marinhos do mundo, não aderiu ao documento, seguindo a posição de outros países produtores de petróleo do grupo dos BRICS, como China, Rússia e Índia. A decisão gerou críticas de setores da sociedade civil e …
Read more “Fiocruz compõe delegação brasileira na Conferência da ONU sobre o Oceano em Nice, França”